A Emenda Constitucional nº 87, de 16 de
abril de 2015, alterou a sistemática de incidência do ICMS nas vendas de
mercadorias e nas prestações de serviços a consumidores finais, não
contribuintes, localizados em outros Estados, conferindo nova redação ao art.
155, § 2º, VII e VIII, da Constituição da República. Além disso, estabeleceu
disposições transitórias quanto à partilha das receitas correlatas.
Em apertada síntese,
a EC 87/2015: i) extinguiu
a cobrança, nas vendas interestaduais a consumidores finais, da alíquota
interna pelo Estado de origem, que era devida quando o destinatário
adquirisse a mercadoria (ou contratasse o serviço) na condição de consumidor
final, mas não fosse contribuinte do imposto, de modo que, no novo regime, o
Estado de origem somente poderá cobrar, nas operações em apreço, a alíquota
interestadual; ii)determinou que a
diferença entre a alíquota interna do Estado de destino e a alíquota
interestadual (denominadodiferencial
de alíquotas) seja recolhida a tal ente da federação em todas
as operações e prestações interestaduais a consumidores finais, seja
pelo adquirente (quando for contribuinte do ICMS), seja pelo remetente (quando
o adquirente não for contribuinte do imposto), alterando, portanto, o
problemático sistema pretérito, em que o citado diferencial era devido apenas quando
o destinatário fosse contribuinte do ICMS; e iii) estabeleceu um regime de
transição no que diz com a repercussão financeira da aludida alteração
constitucional, a fim de suavizar a queda da receita dos
Estados de origem em decorrência da aplicação da alíquota interestadual
(inferior à interna) em todas as operações e prestações de serviços a
consumidores finais. Esse regime de transição é consubstanciado pela partilha
temporária da arrecadação do novel diferencial de alíquotas (aplicável nas
vendas e prestações de serviços a destinatários que não sejam contribuintes do
ICMS), entre o Estado de origem (que cobrava a sua alíquota interna) e o Estado
de destino (que passou a cobrar o diferencial de alíquota também nesta
situação), o qual, segundo o texto da emenda constitucional, evoluirá da
proporção inicial de 20% para o Estado de destino e 80% para o Estado de origem
em 2015, com percentuais adicionais, em cada ano, de 20% para o Estado de
destino, até o término da repartição de tais receitas no ano de 2019, quando o
Estado de destino ficará com a integralidade da arrecadação.
Estes quadros
sintetizam as mudanças no sistema de tributação:
No novo regime
constitucional, estabelecido pela EC 87/2015, o fato de o destinatário ser, ou
não ser, contribuinte do ICMS tornou-se irrelevante para a definição das
alíquotas aplicáveis: em ambos os casos, recolhe-se o imposto, à alíquota
interestadual, ao Estado de origem; e o diferencial de alíquotas ao Estado de
destino. Esse fato somente importa para a definição do responsável pelo
recolhimento do diferencial de alíquotas: se o destinatário não for
contribuinte do ICMS, o diferencial de alíquotas não deverá ser recolhido por
ele, mas pelo próprio vendedor (ou prestador do serviço).
Com isso,
objetiva-se superar um grave problema dos Estados ditos “consumidores”,
sobretudo aqueles do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, que estavam sofrendo
sensível perda de arrecadação com o comércio eletrônico, cujos principais
estabelecimentos estão sediados nos Estados ditos “produtores”,
fundamentalmente nos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro.
Esse contexto havia
levado à edição do Protocolo 21/2011 do CONFAZ, que não só extrapolou, de forma
gritante, os poderes desse conselho fazendário, mas também excepcionou regras
claras estabelecidas pela Constituição da República. Segundo o protocolo, nas
vendas interestaduais e não presenciais de mercadorias a consumidores finais, o
estabelecimento remetente deveria recolher, na condição de substituto
tributário, o diferencial de alíquotas ao Estado de destino, inclusive nas
vendas a adquirentes que não fossem contribuintes do ICMS. O Supremo Tribunal
Federal declarou a inconstitucionalidade, formal e material, desse protocolo ao
julgar, em setembro de 2014, as ADIs 4.628 e 4.713 (e o RE 680.089 RG),
modulando os efeitos até a data da concessão da medida liminar, que ocorreu em
fevereiro do mesmo ano.
Derrubado o
Protocolo 21/2011, a solução foi a aprovação da EC 87/2015.
Essa emenda
constitucional instaurou, porém, um problema atinente à repartição de receitas
financeiras e ao princípio da anterioridade. Por força desse princípio,
insculpido no art. 150, III, alíneas b e c, da
Constituição da República, as alterações gravosas do ICMS somente podem ser
aplicadas no exercício financeiro subsequente à publicação da lei correlata ou,
no caso, à publicação da emenda constitucional correlata (anterioridade de
exercício, alínea b), respeitando-se,
ainda, o interstício mínimo de noventa dias entre tais eventos (anterioridade
nonagesimal, alínea c).
Esse princípio se
aplica às alterações da EC 87/2015, como previsto pela própria emenda (art.
3º). Isso porque foram ampliadas as hipóteses de cobrança do diferencial de
alíquotas e se estabeleceu uma nova obrigação tributária para o alienante – e
também porque a nova sistemática pode, em certos casos, implicar aumento
efetivo de tributação, nomeadamente quando a alíquota interna do Estado de
origem (que, cabe recordar, era cobrada anteriormente na hipótese de o
adquirente não ser contribuinte do imposto) seja inferior à alíquota interna do
Estado de destino, como sucede, por exemplo, nas vendas a consumidores finais
residentes no Estado do Rio de Janeiro (alíquota geral de 19%), por empresas
sediadas em qualquer outro Estado da Federação (alíquota geral de 17% ou 18%).
Logo, as alterações
da EC 87/2015 somente podem ser aplicadas em janeiro de 2016, o que prejudica a
repartição escalonadas das receitas, que principiaria, como referido, no ano de
2015: se nada será cobrado, nada poderá, obviamente, ser partilhado.
Para aclarar essa
ponderação, cabe ter presente o sistema de repartição de receitas estabelecido
pela EC 87/2015:
Repartição
das receitas da nova hipótese de aplicação do diferencial de alíquotas
|
Ano
|
Estado
de destino
|
Estado
de origem
|
2015
|
20%
|
80%
|
2016
|
40%
|
60%
|
2017
|
60%
|
40%
|
2018
|
80%
|
20%
|
2019
|
100%
|
0%
|
Frente a esse
contexto, exsurge relevante questão: deve ser seguido o escalonamento tal como
previsto, mesmo que não haja nada a partilhar em 2015 e a partilha deva começar
com a proporção de 40% - 60% em 2016, ou o início do escalonamento deve ser
postergado, verificando-se em 2016 na proporção de 20 – 80% (prevista
originalmente para o ano de 2015) e terminando apenas em 2020?
Em recente artigo,
Betina Grupenmacher, Professora de Direito Tributário da UFPR, sustentou, com
argúcia, que houve uma antinomia na emenda constitucional e que deverá ser
acolhida a segunda solução, com a postergação do início do escalonamento e do
término da partilha. Outros defenderão a redação literal da emenda
constitucional. O debate está aberto.