Os últimos anos proporcionaram
aos brasileiros um aumento real nos salários, mas a bonança veio acompanhada de
uma mordida cada vez mais gulosa do Leão.
Entre 2004 e 2014, a renda média
dos trabalhadores cresceu 33,1% acima da inflação. Já a tabela que corrige as
faixas salariais obrigadas a pagar Imposto de Renda (IR) não acompanhou sequer
a inflação no período e ficou defasada em 7,8%. Essa combinação fez com
que o tributo avançasse sobre o bolso dos brasileiros.
Muitos que eram isentos começaram
a descontar, enquanto as alíquotas ficaram mais pesadas para os que já pagavam
IR. Em alguns casos, o imposto devido saltou 268% de 2004 para cá, segundo
cálculos do economista Alexandre Espírito Santo, do Instituto Brasileiro de
Mercado de Capitais do Rio de Janeiro (Ibmec/RJ) e da gestora de recursos
Simplific Pavarini.
É o caso de quem tinha renda
anual de R$ 25.380,00 em 2004 e pagava IR de 15%. Assim, destinava R$ 1.902,60
ao IR. Se a evolução do salário acompanhou a média do País, hoje o ganho anual
chegaria a R$ 61.514,80. É valor suficientepara incluir esse contribuinte na
alíquota máxima atual, de 27,5%. Pulando de faixa dessa forma, ele passaria a
pagar R$ 7.002,74 - uma mordida 268% maior.
As faixas de incidência do IR
foram corrigidas em 68,9% desde 2004, e o teto de isenção subiu de R$ 12.696,00
ao ano para R$ 21.453,24. Enquanto isso, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo
(IPCA), inflação oficial do país, subiu 82,1% no mesmo período.
O presidente do Sescon/RS, Diogo
Chamun, adverte que a defasagem da tabela está beirando 70% desde 1996. Como os
rendimentos (salários, pró-labore, remuneração de autônomos) são atualizados,
no mínimo, pela inflação, o trabalhador passa a pagar mais impostos, gerando um
prejuízo irrecuperável com a perda de poder aquisitivo.
Chamun exemplifica que se
pegarmos um salário de R$ 990,00, que era isento em 1996, e simplesmente
atualizarmos pelo IPCA, esse mesmo salário passa a ser descontado em R$ 150,00
de IR. Seguindo essa linha de raciocínio quanto ao poder de compra, com o salário
isento em 1996, comprávamos 1.436 litros de gasolina e 11,8 cestas básicas em
POA, porém, com o limite de isenção atual, compraríamos apenas 656 litros de
gasolina e 5,8 cestas básicas.
"Para diminuir essa
defasagem, o governo deveria criar um dispositivo legal e automático de aumento
da tabela pela reposição da inflação e mais um ganho real, para que a tabela
recupere o patamar de 1996", defende Chamun.
"Quando a tabela do Imposto
de Renda é reajustada abaixo da inflação, na prática, o que acontece é que mais
gente acaba tendo que pagar imposto. Só que, além dessa defasagem, houve
aumento da própria renda dos brasileiros nos últimos anos, o que fez com que a
Receita arrecadasse ainda mais", disse Espírito Santo.
Peso é maior para quem ganha
menos
Para 2015, o governo quer manter
a correção de 4,5%, apesar de o Congresso ter aprovado uma atualização de 6,5%,
praticamente igual à inflação de 2014 (6,41%). Simulação do economista Álvaro
Luchiezi, do Sindifisco, mostra que, se for mantido o índice mais baixo, o peso
será maior para quem ganha menos. Considerando a correção de 4,5%, quem tem
salário mensal de até R$ 2 mil pagaria um imposto 37% maior do que com o ajuste
de 6,5%. Já no caso dos trabalhadores que ganham acima de R$ 10 mil, a
diferença seria de apenas 0,88%. "Isso reflete os equívocos do governo em
relação as correções na tabela do IR ao dos últimos anos", alerta
Luchiezi.
Para Luchiezi, em 2002, os
contribuintes isentos ganhavam até seis salários-mínimos. Hoje, o limite está
em 2,5 salários. "Não só está entrando mais gente para pagar imposto, como
está aumentando o número de pessoas que pagavam a alíquota de 15% e passam a
pagar 22,5% ou 27,5% em razão dos reajustes abaixo da inflação. Já quem ganha
mais continua tributado com a alíquota de 27,5%", defende o economista do
Sindifisco.
Campanha do Sindifisco defende
imposto justo
O Sindifisco encabeça uma
campanha intitulada Imposto Justo, que busca informar e mobilizar a população
brasileira para corrigir, junto ao Congresso Nacional, as irregularidades
observadas atualmente na tabela do Imposto de Renda. A meta é reunir 1,5 mil
assinaturas e garantir o envio de uma proposta ao Congresso Nacional para que a
correção da tabela do imposto de renda acompanhe a evolução da renda anual dos
trabalhadores mais a inflação.
A atualização da tabela do
Imposto de Renda, de acordo com a proposta, teria uma correção de 5% sobre os
valores atuais mais o rendimento mensal das pessoas com 10 anos ou idade
superior, instituído pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) ao
longo de 10 anos contados a partir de 2015. Passado esse prazo, a tabela será
ajustada automaticamente pela média de reajuste salarial do trabalhador
brasileiro, sempre corrigida pela Pnad.
Desatualização da tabela enche
cofres públicos
A combinação de aumento de renda
com tabela defasada é uma das explicações para a forte alta na arrecadação do
tributo nos últimos anos, impulsionada também pelo aumento do emprego formal.
Segundo números do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita
(Sindifisco Nacional), a Receita Federal arrecadou R$ 26,7 bilhões com IR no
ano passado, 335% mais que os R$ 6,13 bilhões de 2004. A alta foi muito
superior à da arrecadação de todos os tributos, que saltou 191% no período,
para R$ 1,17 trilhão.
"Houve alta não só de renda,
mas também de pessoas com trabalho formal. Antigamente, com a alta
informalidade da economia, argumentava-se que o imposto era pesado, porque
poucas pessoas contribuíam. Com o aumento do número de contribuintes,
esperava-se que o governo reduzisse a carga tributária, mas não foi isso que
aconteceu. Na verdade, foi o contrário, e o Leão? avançou sobre o excedente de
salário dos brasileiros", disse Bianca Xavier, sócia e coordenadora do
setor tributário do escritório de advocacia Siqueira Castro.
A tabela do IR para pessoas
físicas acumula defasagem de 64,37% entre 1996 e 2014, quando comparada com o
IPCA. Em dezembro de 2006, governo federal e centrais sindicais acordaram uma
correção anual de 4,5% entre 2007 e 2010. O percentual foi repetido até o ano
passado.
A Receita Federal do Brasil no
Rio Grande do Sul explicou, através de assessoria de imprensa, que desempenha o
papel de executor das medidas governamentais e que não cabe ao órgão opinar
sobre o assunto. "A Receita não comenta, simplesmente aplica o que for
decidido".
Números 33,1% de ganho de renda -
Foi o quanto subiu a renda dos trabalhadores das seis maiores metrópoles do
País em 10 anos. R$ 1.902,00 - é o quanto pagava de IR quem teve rendimento
tributável de R$ 25.380,00 em 2004. R$ 7.002,00 - é o quanto pagou de IR esse
mesmo contribuinte em 2014, caso seu salário tenha acompanhado o ganho real de
renda médio do País, de 33,1%.
Fonte: Jornal do Comércio - RS
Nenhum comentário:
Postar um comentário